Ponto Virgulina #1 Afrofuturismo

DestacadoPonto Virgulina #1 Afrofuturismo

01 Toni Morrison – A vida moderna começa na escravidão (Modern life begins with slavery)
02 Mark Dery – De volta para o Afruturo (Black to the future)
03 Alondra Nelson – Introdução a Future Text (Introduction to Future Text)
04 Tabita Rezaire – Tráfico exótico (Exotic Trade)
05 W. E. B. Du Bois – O cometa (The comet)
06 Lisa Yaszek – Raça na ficção científica (Race in Science Fiction)
07 Samuel Delany – A necessidade de amanhãs (The necessity of tomorrows)
08 Mark Dery – Afrofuturismo reloaded (Afrofuturism reloaded)
09 Ingrid Lafleur – Plano de ação (Plan of action)
10 Drexciya – A busca (The quest)
11 Kodwo Eshun – Captura de movimento (entrevista) (Motion capture)
12 David F. Walker – O super-herói simbólico (The token superhero)
13 Walidah Imarisha – Reescrevendo o futuro (Rewriting the future)
14 Alamu, Aworinde, Isharufe – Um estudo comparativo entre o Ifá e a ciência da computação (A comparative study on IFA divination and computer science)
15 Sofia Samatar – Uma breve história sobre os Estudos em Não Dualidade (A Brief History of Nonduality Studies)
16 D. Scot Miller – Um Manifesto do Afro-Surreal (AfroSurreal Manifesto)

Capa-1

Clique nos links abaixo para download da revista no formato de sua escolha::

Ponto Virgulina #1 Afrofurismo (formato duplo)

Ponto Virgulina #1 Afrofurismo (páginas corridas)

Ordem n.120 “Sobre os incêndios florestais” (tradução: André Nogueira)

Ordem n.120 “Sobre os incêndios florestais”

30 de junho de 1920

O Comitê Revolucionário da Província ordena a todos os vólost e comitês executivos das aldeias, milícias e a toda a população:

1) Os incendiários de florestas surpreendidos no local do crime devem ser mortos no local.

2) Todos aqueles que incitem a incêndios ou façam agitação contra a extinção dos incêndios florestais devem ser presos e sob forte escolta ou amarrados enviados a Barnaul, à Tcheká da Província.

3) Toda a população adulta dos vólost onde ocorrem os incêndios deve sair com seus instrumentos e trabalhar para apagar o fogo.

4) Os vólost e comitês executivos das aldeias desses vólost devem abandonar todas as outras ocupações e tomar medidas contra os incêndios, trabalhando sem descanso até sua extinção.

5) Os comitês executivos dos vólost e chefes das milícias devem dar, imediatamente após a contenção dos incêndios, um informe ao Comitê Revolucionário da Província, com um relatório detalhado sobre como trabalharam pela extinção do fogo os diferentes comitês, os funcionários públicos e a população.

6) Os vólost e comitês executivos, chefes das milícias, bem como funcionários do distrito florestal que não tomarem as medidas mais enérgicas pela extinção de incêndios serão presos e julgados sob acusação de maligna sabotagem.

7) Os que se recusarem a apagar os incêndios serão declarados contra-revolucionários e alistados nos destacamentos disciplinares, independentemente de seu número. Suas propriedades rurais devem ser tiradas deles e as mercadorias e florestas distribuídas.

8) Todas as instituições, civis e militares, serão obrigadas, sem quaisquer protelações formais, a prestar a assistência mais decisiva aos comitês executivos encarregados de trabalhar pela extinção dos incêndios.

Presidente do Comitê Revolucionário da Província da Transbaikália Sv. Aristov.

Boletim do Comitê Provincial de Alimentação de Altai n.4, pág. 28, 30 de junho de 1920.

Documento original na íntegra: https://ru.wikinews.org/wiki/О_поджогах_леса

Obs.: Na cenário da Guerra Civil Russa, as autoridades bolcheviques atribuíram os incêndios criminosos nas florestas siberianas à sabotagem dos restolhos do Exército Branco em retirada pela linha de ferro transiberiana após a prisão e fuzilamento de seu dirigente na frente oriental, Aleksandr Koltchák, em fevereiro de 1920. O artigo é introduzido da seguinte maneira: “Os incêndios criminosos que têm acontecido na floresta são uma destruição deliberada de nossa economia nacional pelos guardas brancos escondidos entre nós e espalhados pelas aldeias. A floresta é um patrimônio nacional precioso, do qual depende todo o funcionamento de nossas fábricas, usinas e ferrovias. A escória da guarda branca tenta espezinhar o povo russo trabalhador e seu poder soviético. Para tanto, ateia fogo na floresta. Além disso, guardas brancos infiltrados tentam impedir que os camponeses apaguem o fogo, fazendo agitação no meio deles, com o argumento de que a floresta não é dada a eles ou é pouco dada, e toda a lenha é gasta na ferrovia. O comitê revolucionário da província conclama os camponeses a não morderem essa isca, lembrando que as restrições ao uso da floresta são ditadas pelas necessidades mais importantes do Estado — sobretudo a enorme demanda de lenha para a estrada de ferro. Se deixarmos a ferrovia sem lenha, os generais de Koltchák virão até nós com o carvão japonês e esfolarão operários e camponeses”.

O Profeta, de Aleksandr Púchkin (tradução: André Nogueira)

Puchkin Mate

O Profeta
Poema de Aleksandr Púchkin (1799-1837)
Tradução: André Nogueira (2018)
Imagem: “Púchkin”, de Vassili Mate.

……………….~//~

O Profeta

Com o espírito sedento eu me arrastava
Pelo plano de um deserto inabitável, —
Com seis asas revoando um serafim
Na encruzilhada veio a mim;
Com o dedo ele tocou minhas pupilas
Como em sonho, sem feri-las:
Dilataram-se pupilas mais pressagas,
Como os olhos assustados de uma águia.
Então tocou os meus ouvidos
Que se encheram de clamores e ruído:
Ouvi os céus como estremecem,
O vôo dos anjos no alto celeste,
Ouvi nos mares criaturas que se esgueiram
E no vale farfalharem os salgueiros.
Arrancou-me desta boca
Minha língua pecadora,
Tão ladina e displicente,
E no ensangüentado oco
Com a destra colocou
A sábia presa da serpente.
Com a espada me cortou o peito antes
De arrancar meu coração palpitante
E um carvão incandescente aí meteu
Que me abrasou o peito aberto
E eu, cadáver, estirado no deserto
Ouvi clamar a voz de Deus:
“Profeta, avante, ouve e vê,
Percorre terras e oceanos,
Com teu verbo flamejante faz arder
Os corações humanos”.

1826

…………….~//~

Пророк

Духовной жаждою томим,
В пустыне мрачной я влачился, —
И шестикрылый серафим
На перепутье мне явился.
Перстами легкими как сон
Моих зениц коснулся он.
Отверзлись вещие зеницы,
Как у испуганной орлицы.
Моих ушей коснулся он, —
И их наполнил шум и звон:
И внял я неба содроганье,
И горний ангелов полет,
И гад морских подводный ход,
И дольней лозы прозябанье.
И он к устам моим приник,
И вырвал грешный мой язык,
И празднословный и лукавый,
И жало мудрыя змеи
В уста замершие мои
Вложил десницею кровавой.
И он мне грудь рассек мечом,
И сердце трепетное вынул,
И угль, пылающий огнем,
Во грудь отверстую водвинул.
Как труп в пустыне я лежал,
И бога глас ко мне воззвал:
«Восстань, пророк, и виждь, и внемли,
Исполнись волею моей,
И, обходя моря и земли,
Глаголом жги сердца людей».

1826

 

Virá a morte e terá os teus olhos, Cesare Pavese (trad. Cláudia Alves)

Verrà la morte e avrà i tuoi occhi – Cesare Pavese - Cabiriams

Virá a morte e terá os teus olhos – 

esta morte que nos acompanha

desde a manhã até a tarde, insone,

surda, como um remorso antigo

ou um vício absurdo. Os teus olhos

serão uma palavra vã,

um grito calado, um silêncio.

Assim tu os vês toda manhã

quando te inclinas sobre ti mesma

no espelho. Oh querida esperança,

naquele dia também viremos a saber

que és a vida e és o nada. 

Para cada um a morte tem um olhar.

Virá a morte e terá os teus olhos.

Será como abandonar um vício,

como ver no espelho

ressurgir uma face morta,

como escutar um lábio fechado.

Desceremos mudos ao turbilhão.

*

Verrà la morte e avrà i tuoi occhi –

questa morte che ci accompagna

dal mattino alla sera, insonne,

sorda, come un vecchio rimorso

o un vizio assurdo. I tuoi occhi

saranno una vana parola,

un grido taciuto, un silenzio.

Così li vedi ogni mattina

quando su te sola ti pieghi

nello specchio. O cara speranza,

quel giorno sapremo anche noi

che sei la vita e sei il nulla.

Per tutti la morte ha uno sguardo.

Verrà la morte e avrà i tuoi occhi.

Sarà come smettere un vizio,

come vedere nello specchio

riemergere un viso morto,

come ascoltare un labbro chiuso.

Scenderemo nel gorgo muti.

22 marzo 1950.

Retroflexão, de Margriet de Moor (tradução: Lucas C. Botelho)

WP_000711

 

“Rückenansicht”, von Margriet de Moor

 

Sie klopfte die Tür.

Der Mann sah sie ganz freundlich an. Er saβ hinter seinem Schreibtisch, stand aber auf, als sie auf der Schwelle stehenblieb.

Manchmal kann man etwas überschauen. Denn in den Paar Sekunden der Stille hatte sie den regenschweren Himmel wahrgenommen, der über der Schule hing, und die Fenster, die in den Klassenräumen geschlossen sein sollten und muβten, wo die jungen Leute über ihre zu weit ausgedehnte Kinderzeit gebeugt saβen, hatte sie die Wärme gerochen, die unter den Achseln und szwischen den strammen Schenkeln der immer noch wachsenden Körper eingeschlossen war, während die Aufzeichnungen über die Augen nach innen gingen und die grauen Zellen so geformt wurden, daβ die groβen Wahrheiten, die mathematischen und naturwissenschaftlichen Entdeckungen – die doch einst Anlaβ gegeben hatten zu tiefer, aufwühlender Erkenntnis -, die Meisterwerke wie „Hamlet“, wie Brederos „Posse von der Kuh“, wie „Der Teufel und Gott“ ohne Gefahr aufgenommen werden konnten, hatte sie den Mann sitzen sehen, der ihr Vater hätte sein können, der aber trotzdem Anstalten machte auf sie zuzukommen.

„Ich halte es nicht mehr aus“, sagte sie zu ihrem Erstaunen zum Rektor.

Er bat sie, Platz zu nehmen, nicht am Schreibtisch, sondern an einem Teakholztischchen nebem einem Gummibaum. Nach vorne gebeugt, die Arme auf seine Knie gestützt, sah er sie aufmerksam an.

Sie durfte die ganze Geschichte – sie war aus dem Klassenzimmer geschickt worden – erzählen. Alle diese Worte durfte sie einem Vorfall widmen, der in keiner Weise Einfluβ haben würde auf die Handlung dieses verhängnisvollen Drehbuchs, auf die hilflose Chronologie, die mit der Geburt beginnt.

Er entstand eine Stille, in der sie sich gegenseitig unverhohlen ansahen. Dann brachen sie Gelächter aus.

„Der Kerl ist ein Trottel“, sagte er.

Er gab ihr Feuer.

Sie lehnte sich zurück, und ihre Schultern, ihr Rücken, ihr Hals erinnerten sich an das ungewöhnliche Glücksgefühl von Jahren, als sie bei einer Verlosung ein Paar Schlittschuhe gewonnen hatte. Ich? Ja, du. Nein, das kann nicht sein. Jawohl, schau nur.

Sie besprachen die einzuschlagende Strategie, die auf Laβ nur! hinauslief. Einfach morgen ein halbes Stündchen früher in die Schule kommen und sich noch abfragen lassen. Etwas anderes konnten Sonja und der Rektor sich nicht andenken, weil sie mit ihren Gedanken nicht ganz bei der Sache waren.

Erst drei Monate später sollte die Nacht nach dem bewuβten Schulfest beginnen. Es war spät geworden. Ein paar Schüler waren dageblieben, um beim Aufräumen zu helfen. Sonja wurde von einem besorgten Schulleiter nach Hause gebracht. In ihrer Wohnung standen die Fenster offen. Es war Sommeranfang. Sie muβte dreimal hintereinander seinen Namen sagen, um sich daran zu gewöhnen. „Leo… Leo… Leo…“, flüsterte sie später, allein in ihrem Bett. Ihr Bauch glühte noch nach. Ja, endlich war es soweit: Sonja wurde von einem Mann geliebt. Am anderen Ende der Stadt waren Augen, hände, die sich an sie erinnerten. Es war ganz sicher, daβ da ein Mann im Dunkeln lag und an sie dachte. Beim Einschlafen kamen ihr die acht oder zehn Minuten in den Sinn, die sie an einem Frühjahrsmorgen im Rektorzimmer verbracht hatte. Sie begriff, daβ die eigentliche Verständigung damals stattgefunden hatte.

Der Mann mit seinem Männergeruch, seinem grauen Augen und seinem ebenfalls grauen Anzug, der zu seinem Amt, aber sicher nicht zu dem schnell aufkommenden, wahnsinnigen Verlangen gehörte, machte Vorschläge, um die traurige Vergangeheit der Schülerin aufzuarbeiten. Sie war einverstanden. Die Worte, die bei dieser Übereinkunft gebraucht wurden, waren nur indirekt zutreffend. An diesem regnerischen Morgen kam das Gespräch auf ihr Leben.

Obwohl der Ton gleich vertraulich war, fing es mit ein paar Nebensächlichkeiten an. Die Schulergebnisse waren doch gut, meinte der Rektor, nur noch ein paar Monate, sie würde es bestimmt schaffen, er, ja gewiβt, hatte gröβte Hochachtung davor, vor allem weil…

Er sagte: „Nun sind also deine beiden Eltern tot?“

Eigentlich klang es wunderbar, fand sie. Eltern, bide Eltern, na ja. Aber er meinteihre Mutter.

„Sie wissen davon?“ fragte sie vorsichtig.

Es schien, daβ ihr Tutor den Fall einmall mit ihm beschprochen hatte. Das hatte seine Phantasie gereizt. (Die tapfere Sonja, die nun allein in der Wohnung wohnte und so brav weiterlernte, ohne eine Tasse Tee um halb vier.)

Wie so oft nach der Schule war ihr schwindlich, so leicht im Kopf. Ihre Mutter saβ am Tisch, die Wangen in die Hände gestützt. Vor ihr stand die Teekanne auf dem Teelicht, aber als Sonja einschenken wollte, war nur heiβes Wasser drin.

„Wie dumm, habe ich doch den Teebeutel vergessen.“

Sie stand auf und begann in die Küche zu schwanken.

„Laβ nur“, sagte Sonja.

Während der Tee zog, schaute sie auf die Hände ihrer Mutter, wie sie Zwieback schmierte. Magere, zittrige Hände, die trotzig an den paar Bewegungen festhielten, die ihr über Jahre hinweg wichtig erschienen waren. Es muβ eine Zeit gegeben haben, dachte Sonja, da sie ziemlich glüklich gewesen war. Als ein Kind erziehen hauptsächlich bedeutete, weiche selbstgestrickte Kleidchen zurechtzulegen, den Mehlbrei zu kosten, den Ellbogen ins Kinderbadewasser zu halten, die Arme auszubreiten, bevor ein Kind wegkriechen und sich verstecken konnte, und mit den Fingern das lächerliche Geld abzuzählen, um ein Plastikbabyfläschchen mit rosa Bonbons zu kaufen… Hinter dem Dampf des Tees lächelte sie ihre Mutter an. Zu reden gab‘s nicht viel.

Was is denn passiert?“

Sie sah ihn benommen an. Eine Rauchfahne zog an ihrem Gesicht vorüber.

„Mit deiner Mutter“, erklärte er.

„Es war ein Verkehrsunfall“ sagte Sonja. „Sie ist von einem Bus angefahren worden.“

Sie wandte ihre Augen ab. Der Rektor war so feinfühlig, seine Hand auf sein eigenes Knie zu legen.

Sie war an ihren schlurfenden Schritt gewöhnt. Schon sehr lange lief sie so mühsam. Es kam durch das angegriffene Nervenzentrum. Das Korsakoff-Syndrom, Sonja hatte es im Nachschlagewerk nachgelesen. Manchmal fiel sie ohne jegliche Vorwarnung plötzlich vornüber. An diesem Nachmittag war Sonja später als gewöhnlich aus der Schule gekommen, weil sie sich von dem Chemielehrer, mit dem sie sich immer in den Haaren lag, noch prüfen lassen muβte. Es war Dezember. Schnee war gefallen. Eine Frau war beim Überqueren der Straβe ausgerutscht, gerade an der Ecke, als auch der Bus ankam. Was war in dieser Tasche gewesen? Sie wurde einen Tag danach ordentlich zu Hause abgeliefert. Es waren zwei Hamburger drin, eine Packung Schnellkochmakkaroni un Tompoes (Blätterteigstückchen mit Sahnefüllung) fürs Fernsehen, für Sonja und ihre Mutter. Die heimliche Flasche, noch halbvoll, fand sie am selben Abend. Sie stand beim Telefon, diskret hinter dem Vorhang versteckt. Denn in solchen Sachen war sie immer sehr raffiniert gewesen.

Das Telefon klingelte.

Der Rektor nahm ab.

„Ich komme vorbei“, sagte er. Seine Stimme klang schwer von Pflichtbewuβtsein.

Sie stand vor der Tür. Ganz kurz berührte seine Hand ihr Gesicht (Hals, Wange, Ohr, Haar).

„Denk daran“, sagte er, „diese Tür steht immer für dich offen.“

Am Nachmittag fühlte sie es aufkommen. Sie saβ auf der Vortreppe, und plöztlich wurden ihre hände kalt. Sie legte ihr Buch weg. Die gelben Rosen begannen einen Duft zu verbreiten, von dem einem übel wurde. Die Kastanien und der Rasen wurden dunkler, als schöbe sich eine Wolke langsam vor die Sonne, aber als sie nach oben schaute, schien die Luft blau. Blau, verlassen und totenstill. Es war die schwere Tagesstunde, in der die Vögel schweigen.

Sie begriff ganz gut, daβ sie vorsichtig sein muβte. Und vorsichtig bedeutete tapfer. Deshalb legte sie sich mitten auf dem Rasenplatz auf den Bauch. (Sie streckte ihre Beine in die Sonne, bedeckte aber ihren Kopf mit einem Sonnenhut, so daβ auch das aufgeschlagene Buch im Schatten lag.) In der nächsten Stunde las sie „Call it Sleep“ aus.

Als sie hochschaute, ragte das Haus vor ihr auf, als ob es von unter nach oben gedrückt worden wäre. Das Giebel leuchtete tiefrot. Es ging etwas Drohendes und Spöttisches davon aus, aber Sonja was vernünftig und ging einfach hinein. In der Kücke aβ sie Brot mit Käse, und um neun Uhr zog sie die Samtvorhänge im Schlafzimmer zu und ging ins Bett.

Sobald es dunkel war, begann die Angst. Die Angst des Auβenstehenden. Sie was eine Zuschauerin und war an der Wirklichkeit des Scharrens, Seufzens und Knarrens wenig beteiligt. Sie, als Bewohnerin einer sichtbaren Welt, hatte Angst vor dem Fühlen von Dingen, vor dem Abstaten mit Hilfe von Umrissen, Volumen und Substanzen. Die Eindringlichkeit, mit der ihr all diese Absurditäten bewuβst wurden, was konnte das anderes bedeuten, als daβ auch sie beobachtet wurde? So still, so atemlos sie auch blieb?

Sie lag auf die Rücken, die Augen nutzlos aufgerissen. Das Telefon? Sie würde nicth einmal gewagt haben anzurufen. Selbst wenn der Apparat neben ihren Bett gestanden hätte, würde sie es nicht gewagt haben, ihren Arm nach dem Hörer auszustrecken, geschweige denn menschlische Worte zu murmeln.

Denk daran, daβ du mich nicht einfach so anrufst. Und vor allem nie, niemals unter meiner Privatnummer.“

„Aber warum nicht?“ hatte sie gefragt. „Deine Frau weiβt doch Bescheid.“

Seine Frau. Sie hatte sie einmal auf dem Parkplatz an der Schule gesehen. Dunkles Haar bis über den schmalen Rücken, sie wartete, bis der Ehemann die Autotür geöffnet hatte.

„Sie würde die direkte Gegenüberstellung nicht ertragen können.“

Sonja wuβte, daβ er nicht gern über sie sprach. Aus irgendwelchen Gründen fand sie seine Besorgheit um diese Phantasiefrau rührend.

Während die Nacht vorrückte, gelang es ihr, sich in der ängstlich belauerten Dunkelheit – eine geordnete, starke Welt, kein Chaos – ab und zu das Bild eines Schlafzimmers in der Stadt vorzustellen. Straβenlicht fiel hinein. Im groβen Bett schlief ein Ehepaar. Sie, die Frau, hatte langes, schwarzes Haar, aber kein Gesicht. Den Mann hingegen kannte sie. Wenn er heute nacht zufällig aufwachte, würde er wissen, daβ sie sich hier befand.

 

 

WP_000710

 

“Retroflexão”, traduzido por Lucas Cavalcanti Botelho

 

Ela bateu à porta.

O homem olhou para ela bastante simpático. Estava sentado atrás da mesa, mas levantou-se depois que ela apareceu no limiar.

Às vezes, pode-se entrever certas coisas. Em alguns segundos de silêncio, ela distinguiu o céu tempestuoso que encobria a escola, e também as janelas das salas de aula que precisavam e deveriam estar fechadas, onde adolescentes enterravam suas vastas infâncias e depois sentavam sobre elas, e então sentiu o cheiro aquecido, geralmente confinado debaixo das axilas ou por entre as pernas dos corpos que ainda não se desenvolveram totalmente, enquanto a recordação dirigia-se da superfície dos olhos adentro e o escritório cinza se dispunha de tal forma que as verdades incontestáveis, as descobertas matemáticas e físicas – que anteriormente deram origem a um conhecimento profundo e perturbador – as obras de grande envergadura, como “Hamlet“, como a “A Posse da Vaca” de Bredero, e “Deus e o Diabo”, poderiam ser ensinadas sem perturbações, e ela viu ali sentado o homem que poderia ter sido seu pai, mas que apesar disso fazia preparativos para recebê-la.

“Eu não aguento mais”, ela disse ao diretor, para sua própria surpresa.

Ele pediu que ela se sentasse, não à sua mesa, mas em uma mais baixa, feita de madeira, ao lado de uma muda de seringueira. Curvado à frente, com os braços apoiados em seu joelho, ele a observava com atenção.

Ela deveria contar a história inteira – tinha sido expulsa da sala de aula. Deveria dedicar todas aquelas palavras a um pequeno incidente que não teria influência alguma no desencadear desse roteiro desastroso, a cronologia inevitável que se inicia a partir do nascimento.

Ele conduziu um momento silencioso, no qual ambos se encararam abertamente. E depois começaram a rir.

“-Esse rapaz é um babaca”, disse ele.

Ele ofereceu-lhe um cigarro.

Ela se reclinou, e nesse momento seus ombros, suas espaldas, seu pescoço, afiguravam uma alegria incomum de anos anteriores, a mesma que ela sentiu no dia em que ganhou um par de patins de gelo num sorteio. Eu? Isso mesmo, você! Ah, não. Não pode ser… É verdade, olhe aqui.

Eles discutiram a estratégia a ser seguida, que consistia simplesmente em deixar as coisas como estavam. Ela chegaria à escola trinta minutos mais cedo na manhã seguinte, para ser interrogada. Sonja e o diretor não conseguiam pensar em nada além daquilo, pois não estavam completamente envolvidos em seus pensamentos.

Três meses depois houve a noite posterior a uma costumeira festa escolar. Estava ficando tarde. Um grupo de alunos tinha ficado para ajudar na arrumação. Sonja pegou carona de volta à casa com um tutor prestativo. As janelas do apartamento estavam abertas. Era o início do verão. Ela precisou repetir o nome dele consecutivamente, para se acostumar. “Leo… Leo… Leo”, suspirou em seguida, deitada sozinha na cama. Ainda sentia borboletas no estômago. Sim, finalmente acontecera: ela tinha o amor de um homem. Do outro lado da cidade existiam olhos e mãos que se lembravam dela. Certamente havia ali um homem deitado no escuro pensando nela. Ao adormecer, veio à mente os oito ou dez minutos que passara em uma manhã de primavera no escritório do diretor. Ela então percebeu que o verdadeiro entendimento viera à tona naquela ocasião.

Aquele homem, com seu cheiro masculino, seus olhos acinzentados e o terno igualmente cinza, que combinava bem com seu escritório mas não com o desejo insano e desesperado, propunha-se a reorientar o passado triste da aluna. Ela compreendeu com clareza. As palavras que acompanhavam aquele acordo só podiam ser captadas indiretamente. A entrevista da sua vida aconteceu naquela manhã chuvosa.

Muito embora o tom da conversa fosse confidencial, logo começaram as trivialidades. As experiências escolares eram ótimas, dizia o diretor, só mais alguns meses e ela iria concluí-las, e ele, como era de se esperar, tinha muita estima pela situação dela, especialmente porque…

Ele disse: “-Ambos os seus pais já estão mortos?”

Ela achou aquela frase muito impressionante. Sim, de fato, ambos os pais. Mas ele se referia à sua mãe.

“O Senhor ficou sabendo?”, ela perguntou de forma comedida.

Parecia que o professor dela havia comentado a respeito do caso. E aquilo aguçou a fantasia dele. (A Sonja, resiliente, morando sozinha no apartamento, disciplinar nos estudos, sem contar com o chá das três e meia da tarde).

Todo dia após a escola ela sentia sua cabeça anuviada e vertiginosa. Sua mãe sentava-se à mesa, com as bochechas apoiadas nas mãos. À sua frente, uma chaleira fervia no fogareiro, mas quando Sonja tentou se servir, havia apenas água quente.

“-Que idiota! Esqueci de botar a infusão.”

Ela se levantou e começou a circundar pela cozinha.

“-Pode deixar”, disse Sonja.

Enquanto o chá esquentava, ela reparou nas mãos engorduradas da mãe. Trêmulas e magras, suas mãos então muito às custas desempenhavam movimentos mínimos, que anos antes pareciam tão robustos. Houve um tempo em que ela deve ter sido extremamente feliz, pensou Sonja. Pois criar uma criança talvez implicasse tricotar macacões macios, provar o mingau de amido, medir a água do banho com o cotovelo e estender o braço para alcançar o bebê antes que ele saísse correndo e se escondesse, e contar com os dedos uns trocados ridículos a fim de comprar uma mamadeira de plástico com bombons rosa… Ela sorria para a mãe por trás do vapor do chá. Não havia muito a dizer.

O que aconteceu?”

Ela olhou para ele, desorientada. A fumaça do cigarro atravessava o seu rosto.

“Com a sua mãe”, ele esclareceu.

“Foi um acidente de trânsito”, disse Sonja, “ela foi atingida por um ônibus”

Ela desviou o olhar. O diretor foi muito compreensível ao apoiar suas mãos em seu próprio joelho.

Ela já tinha se acostumado àqueles passos trôpegos. Havia um tempo que ela caminhava muito atrapalhadamente. Isso acontecia devido a uma perturbação do sistema nervoso. Eram sintomas da Síndrome de Karsakoff, Sonja descobrira após ler uma lista de referências. Às vezes, sem aviso prévio, ela tropeçava e caía repentinamente. Naquela tarde, Sonja saiu da escola mais tarde do que de costume, pois o professor de química, com quem tinha constantes desentendimentos, aplicou uma prova. Foi em dezembro. A neve caíra. Uma mulher escorregou ao atravessar a rua, bem na esquina de um cruzamento, no momento em que o ônibus se adiantava. O que havia na sacola dela? Foi entregue em casa no dia seguinte, intocada. Dentro havia dois hambúrgueres, um pacote de macarrão instantâneo e amostras grátis de aperitivos (em massa folhada com recheio de creme) que Sonja e sua mãe comeriam ao assistir televisão. Na mesma noite ela também encontrou uma garrafa secreta, ainda cheia pela metade. Estava discretamente escondida atrás da cortina, ao lado do telefone. Pois ela fora sempre muito astuciosa nesse tipo de assuntos.

O telefone tocou.

O diretor atendeu.

“Estou a caminho”, ele disse. Sua voz estava carregada de conscienciosidade.

Ela ficou em frente a porta. Num breve ímpeto, as mãos dele resvalaram pelo seu rosto (e pelo pescoço, pelo queixo, pelas orelhas e o cabelo).

“Pense bem”, disse ele, “essa porta sempre vai estar aberta para você”.

Durante a tarde ela sentiu algo despertar. Estava sentada na escadaria da frente, suas mãos ficaram repentinamente frias. Ela largou o livro. As rosas amarelas começaram a exalar um odor que em seguida se tornou carregado. As castanheiras e a grama ficaram mais escuras, como se uma nuvem tivesse encoberto o sol vagarosamente, mas quando ela olhou em direção ao céu, o ar brilhava muito azul. Azul, abandonado e calmo como a morte. Era a hora inquietante em que os pássaros se calam.

Ela percebeu assertivamente que deveria ser cautelosa. E cautela significava ousadia. Dessa forma, debruçou-se sobre o gramado. (Estirou as pernas ao sol, porém protegia a cabeça com uma boina, de forma que também o livro aberto fora disposto sob a sombra.) Uma hora mais tarde ela terminaria de ler “Call it Sleep”.

Quando ela olhou para o alto, a casa à sua frente se destacava, como se tivesse sido impressa de baixo para cima. O frontispício abrilhantava um vermelho muito forte. Havia ali algo de estranho e amedrontador, mas Sonja era sensata, e decidiu entrar. Na cozinha, ela comeu pão com queijo, e às nove horas cerrou as pesadas cortinas do quarto e foi para cama.

Assim que o ambiente escureceu, veio o pavor. Pavor do mundo exterior. Ela era uma mera espectadora, que pouco poderia intervir na realidade das ranhuras, dos suspiros e das cicatrizes. Habitante de um mundo visível, ela teve medo do sentimento das coisas, da formatação de tudo o que está confinado em massa, volume e matéria. A brevidade com que se tornou consciente de todo aquele absurdo, significaria algo além do fato de que ela também era observada? Estaria ela petrificada e imóvel?

Estava deitada para cima, os olhos desnecessariamente abertos. O telefone? Ela não se atreveria de forma alguma a fazer aquela ligação. Nem mesmo se o aparelho estivesse ao lado da cama, ela não se atreveria a esticar o braço para alcançá-lo, muito menos para murmurar palavras mundanas.

“Veja bem, você não pode me ligar assim. Nunca, de forma alguma, principalmente no meu número pessoal”

“Mas por que não?” ela replicou. “Sua mulher já sabe de tudo.”

A sua mulher. Ela a tinha visto uma vez no estacionamento da escola. Cabelos escuros na altura das costas magras, esperava o momento em que o marido abrisse a porta do carro.

“Ela não vai aguentar uma confrontação direta.”

Sonja sabia que ele não gostava de falar sobre ela. De modo abstrato, considerou notável a solicitude dele em relação à esposa imaginária.

À medida que a noite avançava, em meio à escuridão opressiva e assustadora – um mundo escuro e muito organizado, de forma alguma caótico – ela vislumbrava ocasionalmente a imagem de um quarto no centro da cidade. A iluminação da rua invadia o dormitório. Numa cama larga dormia um casal. Ela, a mulher, tinha longos cabelos escuros, mas não tinha rosto. Ela conhecia o homem a seu lado. Se ele coincidentemente acordasse durante a noite, saberia que ela estava ali deitada.

ponto virgulina #0: homenagem a Guilherme Ivo

ponto virgulina #0
clique para baixar em pdf a edição #0 da revista de tradução literária ponto virgulina.

Traduzindo Brecht, de Franco Fortini (tradução Cláudia Alves)

Franco Fortini
Franco Fortini

 

Traduzindo Brecht
Franco Fortini
Tradução Cláudia Alves

Um grande temporal,
durante toda a tarde, retorceu-se
por cima dos telhados antes de se romper em relâmpagos, água.
Eu fitava versos de cimento e de vidro
onde havia gritaria e escaras muradas e membros
também meus, aos quais sobrevivo. Com cautela, olhando
ora as telhas batalhadas, ora a página seca,
eu escutava morrer
a palavra de um poeta ou transformar-se
em outra, não mais por nós, voz. Os oprimidos
estão oprimidos e tranquilos, os opressores tranquilos
falam ao telefone, o ódio é educado, eu mesmo
acredito não saber mais de quem é a culpa.

Escreva, digo a mim mesmo, odeia
quem com doçura guia ao nada
os homens e as mulheres que te acompanham
e acreditam não saber. Entre os inimigos
escreva também o teu nome. O temporal
dissipou-se com ênfase. A natureza
ao imitar as batalhas é muito fraca. A poesia
não muda nada. Nada é certo, mas escreva.

(Una volta per sempre, 1963)

*

Traducendo Brecht
Franco Fortini

Un grande temporale
per tutto il pomeriggio si è attorcigliato
sui tetti prima di rompere in lampi, acqua.
Fissavo versi di cemento e di vetro
dov’erano grida e piaghe murate e membra
anche di me, cui sopravvivo. Con cautela, guardando
ora i tegoli battagliati ora la pagina secca,
ascoltavo morire
la parola d’un poeta o mutarsi
in altra, non per noi più, voce. Gli oppressi
sono oppressi e tranquilli, gli oppressori tranquilli
parlano nei telefoni, l’odio è cortese, io stesso
credo di non sapere più di chi è la colpa.

Scrivi mi dico, odia
chi con dolcezza guida al niente
gli uomini e le donne che con te si accompagnano
e credono di non sapere. Fra quelli dei nemici
scrivi anche il tuo nome. Il temporale
è sparito con enfasi. La natura
per imitare le battaglie è troppo debole. La poesia
non muta nulla. Nulla è sicuro, ma scrivi.

(Una volta per sempre, 1963)

Árvore da memória, de Rosmarie Waldrop (introdução e tradução de Marcelo Lotufo)

Rosmarie Waldrop é uma importante poeta norte americana. Nascida na Alemanha pouco antes da Segunda Guerra Mundial, passou sua primeira infância em meio a bombas e doutrinação ideológica nazista. Pequena demais para concordar ou discordar, viu tudo com um certo distanciamento. Adulta, retornou ao tema buscando entender, assim como toda a sua geração, o que se passara na Alemanha de seus pais; como a naturalização do horror nazista fez com que o Holocausto se escondesse atrás da rotina e da burocracia.  Waldrop mudou-se para os Estados Unidos durante o pós-guerra, onde se casou com o também poeta Keith Waldrop. Na América, ela abandonou a língua alemã e passou a escrever em inglês, reforçando o distanciamento que precisava para revisitar o seu passado de forma crítica e consciente.

Parte dos seus poemas versa sobre a necessidade de investigarmos as camadas históricas da nossa sociedade, enfrentando memórias e acontecimentos que preferiríamos ignorar. Em um momento no qual discursos de ódio parecem se normalizar no Brasil, além de um apoiador confesso da tortura e da ditadura militar (algo impensável há alguns anos) liderar as pesquisas para presidência da república, revisitar o passado parece um exercício mais do que necessário; parece um dos únicos caminhos para salvarmos a nossa democracia e repensarmos o pacto democrático que a sustentou desde o fim da ditadura.

Waldrop by Pierre Mornet
Ilustração por Pierre Mornet

Árvore da memória

Rosmarie Waldrop, no livro Split Infinites

Tradução Marcelo Lotufo

 

E EM SEGUNDO LUGAR, na Alemanha

Meu primeiro dia na escola , setembro de 1941, dia show de bola. O tempo não passava, mas era conduzido ao cérebro. Me ensinaram. A saudação nazista, brincar de flautista. Quão firmemente entrincheiradas, as velhas teorias. Já usando papel, caneta e tinta. Sim, eu disse, estou aqui.

Eu tinha seis ou sete anões, a branca era de neve, o príncipe estava em guerra. Hitler no rádio, seguido por Léhar. Sentidos impingiam-se. Apagões, sirenes, colchões no chão, visitantes ou fantasmas furtivos.

E mamãe furiosa. Sirenes. Silvos. O gato. Minha irmã gritou como nunca. Sua amiga. Com medo de olhar. O que eu sabia sobre trabalho forçado ou trabalho de parto? Dos interiores profundos do corpo? Eu tinha aprendido a  andar de bicicleta.

O gato preto. A neve branca, a flor azul. Uma ameaça de uma cor diferente. Movimento uniforme em velocidade inultrapassável. Nada fastidioso. Nada necessário o preenchimento de substâncias no âmago profundo.

Mãe, eu gritei, extremamente. E o lobo. Passando pela neve eu estava dentro de casa em, lã puxada sobre os meus olhos. O lobo. O menino que não gritou ‘olha o lobo’ também morreu. Aberturas crepusculares.

Testa honesta. Cabelos negros. Mãos parcimoniosamente sobre os joelhos. Uma menina polonesa. Na Alemanha? Na guerra? Movendo-se velozmente pelo ar entre nós, uma imagem contínua. Chega de medo de gato preto, sinos (assassinos, ferinos), de sirenes, silvos de bombas.

*

Uma longa vida aprendendo sobre o capítulo anterior. Que minha alma está de calça jeans, minha mãe dando à luz, meu banco de esperanças na Alemanha, leste de expectativas, oeste de ainda esperando. Na cama com um antídoto.

Comendo da árvore. Folhas caindo antes da queda. Por um buraco na memória. A fruta enruga novos problemas, mas não extingue. O pomar há muito abandonado.

 

Memory Tree

Rosmarie Waldrop

 

AND SECONDLY, in German.

My first schoolday, September 1941, a cool day. Time did not pass, but was conducted to the brain. I was taught. The Nazi salute, the flute. How firmly entrenched, the ancient theories. Already using paper, pen and ink. Yes, I said, I’m here.

I was six or seven dwarfs, the snow was white, the prince at war. Hitler on the radio, followed by Léhar. Senses impinged on. Blackouts, sirens, mattress on the floor, furtive visitor or ghost.

And mother furious. Sirens. Hiss. The cat. My sister cried unseen. Her friend. Afraid of look. What did I know of labor (forced) or pregnant? The deep interiors of the body? I had learned to ride a bike.

The black cat. The white snow, the blue flower. A menace of a different color. Uniform movement with unsurpassed speed. Not fastidious. Not necessary for substance to be filled in deep inside.

Mother, I cried, extremely. And wolf. Exceeding the snow I was at home in, wool pulled over my eyes. O wolf. The who did not cry it also died. Twilight overtures.

Face fair. Black hair. Hands parsimoniously on knees. A Polish girl. In Germany? In the war? Moving along swiftly in the air between us, a continuous image. Enough of black cat panic, bells (hells, shells), of sirens, hiss of bombs.

*

A long life of learning the preceding chapter. That my soul in blue jeans, my mother in childbirth, my rabble of hopes in German, East of expectation, West of still waiting. In bed with an antidote.

Eating of the tree. Leaves falling before the fall. Through a hole in memory. The fruit puckers new problems, but doesn’t quench. The orchard long abandoned.

Este tempo sabático, de Patrizia Cavalli (tradução Cláudia Alves)

Patrizia Cavalli por Dino Ignani

Patrizia Cavalli por Dino Ignani

 

Este tempo sabático

Patrizia Cavalli

Tradução Cláudia Alves

 

Este tempo sabático

antes de uma partida, este tempo

roubado do tempo, este tempo não meu

nem dos outros, o tempo da bagagem

e do atraso, este luxo suspenso,

esta rica margem

quando audaz e irresponsável posso

aquilo que nem mesmo os anos me concedem,

onde se apressam os pensamentos mais negligenciados

e são acolhidos, e entre um pijama

e uma camisa se instala majestoso

mas flexível o possível, onde eu poderia

até mesmo te telefonar e me declarar

louca de amor, este único tempo verdadeiro

involuntário que nos é dado

pela graça das partidas, este

que não é nada mais do que uma oração.

*

Questo tempo sabbatico 

Patrizia Cavalli

 

Questo tempo sabbatico

prima di una partenza, questo tempo

rubato al tempo, questo tempo non mio

né di altri, il tempo della valigia

e del ritardo, questo lusso sospeso,

questo margine ricco,

quando audace e irresponsabile posso

quello che neanche gli anni mi concedono,

dove accorrono i pensieri più negletti

e sono accolti, e tra un pigiama

e una camicia s’insedia maestoso

ma arrendevole il possibile, dove potrei

persino telefonarti e dichiararmi

folle d’amore, questo unico tempo vero

involontario che ci è dato

per grazia di partenze, questo

non è nient’altro che preghiera.

 

Viagem a Nova Iorque, de Ernesto Cardenal, traduzido por Mariana Ruggieri

cardenal

Ernesto Cardenal, poeta nicaraguense nascido em 1925, foi padre, participou da luta sandinista e é devoto da teologia da libertação. Seu poema “Viaje a Nueva York” é um poema-documentário ou um poema-reportagem de fôlego e descreve uma visita sua a Nova Iorque nos turbulentos anos 70.

O professor Amalfitano, personagem de Roberto Bolaño, diz em Los sinsabores del verdadero policía que “Viaje a Nueva York” é um dos dois maiores poemas modernos da América Latina, ao lado de “El soliloquio del individuo” de Nicanor Parra. Independente do que se possa pensar a respeito de tais formas de hierarquizar e categorizar a poesia, “Viaje a Nueva York” é certamente um poema importante e vivo. Ernesto Cardenal também é homenageado em outro poema de Roberto Bolaño, “Ernesto Cardenal y yo”, onde se pergunta: Padre, en el Reino de los Cielos / que es el comunismo, / ¿tienen un sitio los homosexuales? A resposta é sim.

Devido à extensão do poema, clique no link abaixo para abrir o arquivo pdf.

Viagem a Nova Iorque

Confira um trecho do poema:

“Museum of Modern Art. Sem tempo de entrar. E para quê?
Frank O’Hara trabalhava aqui. Sua poesia ele fazia
        na hora do lunch — sandwiches e Coca Cola.
Uma vez nos escrevemos.
Agora comprei no Brentano’s seu LUNCH POEMS ($1.50)
e os automóveis me fazem lembrar de sua morte
   atropelado em Nova Iorque (na hora do lunch?)
                     WALK — DON’T WALK”