AO TSAR – NA PÁSCOA, de Marina Tsvetáieva (tradução por André Nogueira)

Tsar And Son

AO TSAR – NA PÁSCOA

Dois poemas de Acampamento de Cisnes, Marina Tsvetáieva.
Traduções por André Nogueira (2017)
Imagem: tsar Nicolau II e tsariévitch Aleksei em 1910.

AO TSAR — NA PÁSCOA

Abram, abram os portões do Tsar!
Recua a escuridão da noite.
Acendam velas no altar
E tudo aprontem.
— Cristo ressuscitou,
Tsar que havia ontem!
  
Caiu sem auréola
A águia bicéfala.
— Tsar! — Não honraste a tarefa.
  
Nos olhos teus, azuis e traidores
Como dos bizantinos reis,
Hão de fitar teus sucessores,
Pela derradeira vez.
  
Nos tribunais tua sentença —
Um turbilhão de causar pena.
Tsar! — O povo? — pensas,
Mas é Deus quem te condena!
  
Enfim chegou a Páscoa
No país por toda parte,
Dorme em paz com
Tua Aldeia a consolar-te, *
Em teu sonho não se hasteiem
Os vermelhos estandartes.
  
Tsar! — A tua estirpe
Se abriga — no teu sono.
Toma o saco — de mendigo,
Já que extirpam — o teu trono.
  
2 de abril 1917, Moscou, primeiro dia da Páscoa

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     * * *

Pelo menino – o pombinho – o filho do rei,
Pelo jovem tsariévitch Aleksei,
Rússia devota, vossos círios acendei!

Pombinhos dois, angelicais,
Como Dmitri de Ivan, Aleksei de Nikolai,**
Os olhos deles enxugai.
  
Rússia, mãe benévola, a criança
Sob o véu de vossa bem-aventurança
Cobrireis, até que as feras se amansem?
  
Por mais vil que seja o crime de seu pai,
Oh, Rússia pastoril, vós perdoai
O cordeirinho Aleksei de Nikolai!
  
4 de abril 1917
terceiro dia da Páscoa.

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* “Dorme em paz com/ Tua Aldeia a consolar-te…”// Aldeia do Tsar, Tsárskoie Seló, residência da família imperial russa, a 26 km de São Petersburgo. Quando a revolução de 1917 derrubou Nicolau II, então imperador da Rússia, ele e sua família foram feitos prisioneiros, primeiramente, no palácio de Alexandre, situado na Aldeia.

** “Como Dmitri de Ivan, Aleksei de Nikolai”// Refere-se a Aleksei Nikoláievitch, o tsariévitch, isto é, o príncipe Aleksei, filho de Nicolau II. Dmitri, filho de Ivan, foi Dmitri de Uglitch, filho de Ivan, o Terrível, assassinado aos 10 anos de idade em 1591 na cidade de Uglitch. Marina Tsvetáieva, recorrendo a essa referência histórica, clama pela vida do tsariévitch Aleksei, então com 13 anos de idade. Nicolau II, a tsarina Aleksandra e seus cinco filhos, Aleksei, Anastássia, Maria, Tatiana e Olga, foram mortos em Ekaterimburg no dia 17 de julho de 1918.
  
Царю — на Пасху

Настежь, настежь Царские врата!
Сгасла, схлынула чернота.
Чистым жаром
Горит алтарь.
— Христос Воскресе,
Вчерашний царь!
  
Пал без славы
Орёл двуглавый.
— Царь! — Вы были неправы.
  
Помянет потомство
Ещё не раз —
Византийское вероломство
Ваших ясных глаз.
  
Ваши судьи —
Гроза и вал!
Царь! Не люди —
Вас Бог взыскал.
  
Но нынче Пасха
По всей стране,
Спокойно спите
В своём Селе,
Не видьте красных
Знамён во сне.
  
Царь! — Потомки
И предки — сон.
Есть — котомка,
Коль отнят — трон.

<2 апреля 1917>,
Москва,
первый день Пасхи

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* * *
  
За Отрока — за Голубя — за Сына,
За царевича младого Алексия
Помолись, церковная Россия!
  
Очи ангельские вытри,
Вспомяни, как пал на плиты
Голубь углицкий — Димитрий.
  
Ласковая ты, Россия, матерь!
Ах, ужели у тебя не хватит
На него — любовной благодати?
  
Грех отцовский не карай на сыне.
Сохрани, крестьянская Россия,
Царскосельского ягнёнка — Алексия!

4 апреля 1917,
третий день Пасхи

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ABRO AS VEIAS, de Marina Tsvetáieva, tradução por André Nogueira

 

tsvetaeva bilhete *

ABRO AS VEIAS

>> Poema de Marina Tsvetáieva
>> Tradução por André Nogueira (2012/ revisado em 2017)

* * *

Abro as veias: irreparável,
Irreversível, a vida borbota.
Tragam pratos e vasos!
Todo prato – será raso,
Todo vaso – será magro.

Sem parar, a terra traga
E, irrigado pelas bordas,
Irrevogável, irreparável,
Irreversível, o verso brota.

6 de janeiro 1934

* Imagem: Um dos últimos registros escritos por Marina Tsvetáieva, antes de sua morte em 31 de agosto de 1941. Citamos, comentado por Tsvetán Todorov e traduzido por Aurora F. Bernardini em “Vivendo sob o Fogo” (Martins Fontes, 2008, pág. 744):

«Em Tchistopol ela [Tsvetáieva] não recebe uma resposta clara para seus pedidos de emprego. Ao ficar sabendo que o Litfond [órgão da União dos Escritores Soviéticos] abriria uma cantina, resolve se candidatar e escreve este pedido, um dos documentos mais deprimentes da história da literatura russa:

“Ao Soviete do Litfond:

Peço dar-me um emprego como lavadora de pratos na cantina a ser aberta pelo Litfond.

M. Tsvetáieva
26 de agosto de 1941.”

A direção do Litfond hesita em empregar a antiga emigrada, casada com um inimigo do povo; sem esperar pela resposta definitiva, Marina Tsvetáieva toma o barco de volta a Elábuga, aonde ela chega em 28 de agosto. Recebe outra convocação da NKVD [órgão policial da URSS]. Parece ser nesse momento em que ela decide pôr um fim a seus dias».

* * *

Вскрыла жилы: неостановимо,
Невосстановимо хлещет жизнь.
Подставляйте миски и тарелки!
Всякая тарелка будет – мелкой,
Миска – плоской.

Через край – и мимо
B землю черную, питать тростник.
Невозвратно, неостановимо,
Невосстановимо хлещет стих.

6 января 1934