Virá a morte e terá os teus olhos, Cesare Pavese (trad. Cláudia Alves)

Verrà la morte e avrà i tuoi occhi – Cesare Pavese - Cabiriams

Virá a morte e terá os teus olhos – 

esta morte que nos acompanha

desde a manhã até a tarde, insone,

surda, como um remorso antigo

ou um vício absurdo. Os teus olhos

serão uma palavra vã,

um grito calado, um silêncio.

Assim tu os vês toda manhã

quando te inclinas sobre ti mesma

no espelho. Oh querida esperança,

naquele dia também viremos a saber

que és a vida e és o nada. 

Para cada um a morte tem um olhar.

Virá a morte e terá os teus olhos.

Será como abandonar um vício,

como ver no espelho

ressurgir uma face morta,

como escutar um lábio fechado.

Desceremos mudos ao turbilhão.

*

Verrà la morte e avrà i tuoi occhi –

questa morte che ci accompagna

dal mattino alla sera, insonne,

sorda, come un vecchio rimorso

o un vizio assurdo. I tuoi occhi

saranno una vana parola,

un grido taciuto, un silenzio.

Così li vedi ogni mattina

quando su te sola ti pieghi

nello specchio. O cara speranza,

quel giorno sapremo anche noi

che sei la vita e sei il nulla.

Per tutti la morte ha uno sguardo.

Verrà la morte e avrà i tuoi occhi.

Sarà come smettere un vizio,

come vedere nello specchio

riemergere un viso morto,

come ascoltare un labbro chiuso.

Scenderemo nel gorgo muti.

22 marzo 1950.

Traduzindo Brecht, de Franco Fortini (tradução Cláudia Alves)

Franco Fortini
Franco Fortini

 

Traduzindo Brecht
Franco Fortini
Tradução Cláudia Alves

Um grande temporal,
durante toda a tarde, retorceu-se
por cima dos telhados antes de se romper em relâmpagos, água.
Eu fitava versos de cimento e de vidro
onde havia gritaria e escaras muradas e membros
também meus, aos quais sobrevivo. Com cautela, olhando
ora as telhas batalhadas, ora a página seca,
eu escutava morrer
a palavra de um poeta ou transformar-se
em outra, não mais por nós, voz. Os oprimidos
estão oprimidos e tranquilos, os opressores tranquilos
falam ao telefone, o ódio é educado, eu mesmo
acredito não saber mais de quem é a culpa.

Escreva, digo a mim mesmo, odeia
quem com doçura guia ao nada
os homens e as mulheres que te acompanham
e acreditam não saber. Entre os inimigos
escreva também o teu nome. O temporal
dissipou-se com ênfase. A natureza
ao imitar as batalhas é muito fraca. A poesia
não muda nada. Nada é certo, mas escreva.

(Una volta per sempre, 1963)

*

Traducendo Brecht
Franco Fortini

Un grande temporale
per tutto il pomeriggio si è attorcigliato
sui tetti prima di rompere in lampi, acqua.
Fissavo versi di cemento e di vetro
dov’erano grida e piaghe murate e membra
anche di me, cui sopravvivo. Con cautela, guardando
ora i tegoli battagliati ora la pagina secca,
ascoltavo morire
la parola d’un poeta o mutarsi
in altra, non per noi più, voce. Gli oppressi
sono oppressi e tranquilli, gli oppressori tranquilli
parlano nei telefoni, l’odio è cortese, io stesso
credo di non sapere più di chi è la colpa.

Scrivi mi dico, odia
chi con dolcezza guida al niente
gli uomini e le donne che con te si accompagnano
e credono di non sapere. Fra quelli dei nemici
scrivi anche il tuo nome. Il temporale
è sparito con enfasi. La natura
per imitare le battaglie è troppo debole. La poesia
non muta nulla. Nulla è sicuro, ma scrivi.

(Una volta per sempre, 1963)